GLÓRIA FEITA DE SANGUE | DR. FANTÁSTICO
AS TRINCHEIRAS DA MORTE
Quando os soldados em plena I Guerra Mundial se recusam a continuar com um ataque inimigo impossível, seus generais superiores decidem acusá-los de motim e covardia. Mas será mesmo que os pobres e inocentes soldados desertaram?
É mais uma fita impressionante de KUBRICK, agora nos campos de batalha na França em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial. Depois de dois filmes noir policiais: A MORTE PASSOU POR PERTO ( KILLER´S KISS , 1955) e O GRANDE GOLPE ( THE KILLING, 1956), o famoso diretor de Laranja Mecânica e Barry Lyndon conta esta história problemática e injusta sobre a guerra.
Mais uma real e dramática crítica ao assunto que foi revisitado pelo diretor em DR. FANTÁSTICO (1964) e, em NASCIDO PARA MATAR (1987). Aqui, o lendário ator KIRK DOUGLAS (em impressionante atuação, provavelmente a melhor de toda a sua carreira [é até melhor que SPARTACUS]), interpreta o Coronel DAX um homem que tem que lidar com as futilidades da guerra, sempre apresentadas pelo cineasta de uma maneira irônica, porém aqui, nem um pouco debochada como em Dr. Strangelove ou em Full Metal Jacket. Na verdade essa trama se passa quase o tempo inteiro nas trincheiras da morte (em uma formidável sequência dentro das trincheiras que começa mostrando pelo ponto de vista subjetivo do personagem) com este coronel (Douglas) que tem que tomar decisões importantes e justas, além de lidar com a posição inimiga custando à vida de vários soldados em uma estratégia militar suicida que propositalmente se destinou ao fracasso (o problema era mais político que patriótico). Os culpados, os verdadeiros vilões eram os generais, superiores de Dax, e a fim de acobertarem o seu erro fatal, eles inventam uma contra-ofensiva a três dos próprios soldados, obviamente inocentes, e o acusam de covardia, motim e outras idiotices e injúrias.
Praticamente o filme nem mostra um julgamento honesto, assistimos friamente, com toda aquela linguagem Kubrickiana, o assassinato de três homens inocentes, o filme inteiro. Cada acusação era mais dolorosa que vê-los, infelizmente, ao término da obra, fuzilados. Mas ao longo do filme, Douglas, com sua presença heróica faz de tudo para defender os réis, visto que, Dax era advogado na vida civil e usa os seus dotes persuasivos para dialogar contra a promotoria de farda. Mas aos poucos ele vai percebendo as tramóias e acaba sendo vencido por homens mentirosos uniformizados e corruptos para supostamente lutar e defender o seu país.
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Um dos grandes momentos da fita de Kubrick |
GLÓRIA FEITA DE SANGUE (ou CAMINHOS DA GLÓRIA), o nome em português já traduz muito bem, é um filme estéril. A narrativa é típica de Kubrick, sem atalhos, fria, lindamente fotografada, escrita e com planos de câmeras fantásticos, sobretudo como já havia citado as cenas dentro das trincheiras que lembram muito a sequência do labirinto no gelo em O ILUMINADO, e as cenas grandiosas e ao mesmo tempo estilizadas das batalhas. É a primeira incursão de Kubrick a uma produção maior, polêmica e seriamente dramática, baseada no romance “Paths Of Glory”, de HUMPHREY COBB. É mesmo uma obra prima, que acusa a política militar descaradamente, sem rodeios ou palavras subscritas. Uma odisséia nos campos de guerra.
Há momentos de muita tensão quando os prisioneiros estão implorando pela vida e pouco antes do fuzilamento, é cruel o caminho que eles fazem a glória. Pelas acusações eles foram desertores, mas na verdade, os verdadeiros heróis, manchados de sangue, o próprio sangue, estão nas páginas da história. Acho que a fita não é uma sessão para todos, além do que, ela tem tons noir, o primeiro estilo europeu no gênero guerra, e provavelmente nenhum outro diretor futuramente conseguiu acertar o tom. Kubrick discute o assunto e não está interessado em grandes tomadas aéreas ou milhares de homens se matando uns aos outros ao estilo Lewis Milestone e o seu NADA DE NOVO NO FRONT ( All Quiet on the Western Front, 1930 – Universal Pictures). Ou seja, é o close no olhar do homem. O que mente, acusa, protege e chora. Aliás, em matéria de emoção, o filme traz um dos momentos mais bárbaros em sua cena final, que mostra o grande coração que Kubrick tinha (apesar de sua fama ranzinza) quando sua então esposa CHRISTIANE KUBRICK aqui creditada como SUSANNE CRISTIAN (ainda não eram casados à época – só depois das filmagens), faz uma cantora alemã, e quando canta uma bela canção, deixa todos os homens daquela sala em prantos. Um momento digno antes de voltarem aos campos de batalha. Emocionado e espiando da janela, Dax, um Douglas que se mantêm firme, ordena que lhe dêem mais tempo aos seus homens. E o filme acaba. E Kubrick, para sempre eterno. Uma glória feita em 1957 que não morre jamais!
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Christiane Kubrick deixa os soldados em prantos! |
Nem se quer foi indicado ao Oscar.
EUA – 1957
DRAMA/GUERRA
STANDARD
84 min.
P&B
MGM/UNITED ARTISTS
16 ANOS
✩✩✩✩✩ EXCELENTE
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BRYNA PRODUCTIONS E UNITED ARTISTS APRESENTAM
UMA PRODUÇÃO HARRIS-KUBRICK CORPORATION
KIRK DOUGLAS EM
“PATHS OF GLORY”
CO-ESTRELANDO RALPH MEEKER. ADOLPHE MENJOU
COM: GEORGE MACREADY. WAYNE MORRIS. RICHARD ANDERSON
Também Estrelando Joseph Turkel. Jerry Hausner
E Susanne Christian
Música Original por GERALD FRIED
Fotografado por GEORGE KRAUSE Montagem EVA KROLL
Direção De Arte LUDWIG REIBER Figurinos ILSE DUBOIS
Escrito por
STANLEY KUBRICK. CALDER WILLINGHAM e JIM THOMPSON
BASEADO NO ROMANCE DE HUMPHREY COBB
Produzido por JAMES B. HARRIS Dirigido por STANLEY KUBRICK
© 1957 Harris-Kubrick Production Corp./ UMA PRODUÇÃO BRYNA
Distribuído por UNITED ARTISTS
✩
ALERTA VERMELHO: RISOS
Um general insano inicia um processo destrutivo: o holocausto nuclear em plena Guerra Fria em que uma sala de guerra com políticos (incluindo o Presidente Americano) e generais freneticamente tentam impedir a questão diplomaticamente.
DR. FANTÁSTICO é o filme enfadonho mais legal que já tive o privilégio de assistir. Aliás, em matéria de STANLEY KUBRICK, qualquer filme “chato” tem a audácia de chamar atenção. Baseado no livro RED ALERT (Alerta Vermelho) escrito por PETER GEORGE que colabora no roteiro adaptado de sua obra, o filme é uma sátira, comédia de humor negro sobre a guerra.
E não poderia ser feita no melhor período: a Guerra Fria e toda a paranóia militar e civil americana sobre o uso de bombas nucleares e uma possível Terceira Guerra Mundial que graças a Deus nunca aconteceu (mas se somarmos todas as Guerras, enfim... fiz uma piada infame). Kubrick foi genial ao abordar esta história e a fita é mais um testamento do cineasta sobre a guerra, o seu tema predileto (FEAR AND DESIRE [1953] /GLÓRIA FEITA DE SANGUE [1957] /NASCIDO PARA MATAR [1987]). Aqui, Kubrick não vai as trincheiras ou até as selvas do Vietnã e concentra a ação em uma cúpula (lindo set de KEN ADAM diretor de arte dos filmes de 007), uma espécie de “reunião de guerra” para decidir as coisas de forma diplomática e mesmo o filme, tem poucas cenas de tiroteio militar que acabam sendo estilizados.
Provavelmente a grande atração de Dr. Fantástico é a presença do fantástico PETER SELLERS em três diferentes papéis! O filme começa com este ataque nuclear acidental ("entre aspas") depois que um general louco, o ótimo STERLING HAYDEN de outro filme de Kubrick, o noir “O GRANDE GOLPE” (1956) esta convencido de que os comunas (comunistas assim chamados) estão poluindo os preciosos fluidos corporais de toda a América! Só nesta cena começo a dar risada. E me pergunto? Foi esse o motivo do general ter ordenado um ataque nuclear à União Soviética?
Ai entra em cena o genial Sellers como o Capitão Mandrake que procura desesperadamente uma maneira de suspender o ataque, nem que para isso tenha que ligar de uma cabine telefônica pública a cobrar para o Presidente ( ou seja, para ele mesmo – muitos risos nesta cena). Paralelamente o Presidente Americano (o Sellers menos engraçado) pega o telefone de emergência e tenta convencer um bêbado soviético (mais risos) que impedir o ataque seria um erro, mas na sala de reunião está presente um conselheiro pessoal do presidente, que por acaso é um “ex-nazista cientista”, o Dr. Strangelove (Sellers excelente aqui) que confirma com todas as letras em um sotaque alemão típico, a existência da tão falaciosa “Máquina do Juízo Final” (muito comentada na época da Guerra Fria) que seria uma arma final, um dispositivo secreto feitos pelos soviéticos que retaliaria toda a raça humana, garantindo assim o seu extermínio.
O filme ainda conta com a atuação exímia de GEORGE C. SCOTT (de Patton, Rebelde ou Herói? [1970]) no papel do general “Buck” que é um sujeito tipicamente americano e que dorme com a secretária que por sua vez faz atendimento telefônico seminua em sua cama de hotel tomando um bronzeado artificial. Scott tem ótimos momentos super engraçados nesta cúpula provando para o presidente ao contrário de tudo que possa vir dos soviéticos (um homem que sofre de Xenofobia), ainda mais quando um deles esta nesta reunião comendo salsicha e fumando charuto, o excelente PETER BULL como o embaixador russo Sadesky. Na verdade o filme é realmente um picadeiro onde a comédia é soberana. Ela não é típica, são piadas sutis e inteligentes com linguagem de guerra e personagens caricatos.
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Peter Sellers nos melhores papéis de sua vida. Kubrick soube explorar bem o ator |
Quanto a Sellers? Bom, eu particularmente gosto mais dele fazendo o Dr. Fantástico que um dia já foi nazista, mas que não deixa de ser Alemão que tem aqueles tiques saudosos “Heil Hitler” e fica numa cadeira de rodas dizendo absurdos. Muitos deles sem sentido! A fita é um verdadeiro clube do bolinha (só a personagem da secretária – única mulher que aparece) e é sem dúvida o trabalho mais pessoal de Kubrick. Uma verdadeira jornada ao próprio umbigo, um filme que o cineasta fez para si mesmo. Assim sendo, provavelmente, Dr. Fantástico seja o seu filme na qual o público, genericamente falando, tenha visto com pouca frequência. Eu mesmo só o vi duas vezes na minha vida. Acho que basta assistir a cada dois anos, dependendo do humor, visto que, é uma comédia extremamente datada, estilizada e temática.
O filme começa chato e vai melhorando aos poucos. Aqui reconhecemos os primeiros toques Kubrickiano: os típicos “Zooms”, posicionamento de câmera e a narrativa em si, inspirada no romance do ex-tenente da Força Aérea Inglesa, PETER GEORGE que publicou o seu livro “Red Alert” em 1958 com o pseudônimo de “Peter Bryant” – tempos difíceis. O curioso é o livro ter tido pouca reverberação entre os americanos, mas ter tido grande impressão nos dois maiores estrategistas de guerras nucleares britânicos, Thomas C. Schelling e Herman Kahn. Isso prova como a natureza da história serve apenas para os militares. Tudo é dito em códigos que civis nunca teriam acesso, e o filme inegavelmente, carrega a mesma cruz.
Kubrick era um indivíduo intelectual e interessado na guerra. Portanto para ele o livro “Alerta vermelho”, assim como para os estrategistas militares, era um material de grande valia e viu-se então uma oportunidade de caçoar disso na sétima arte. Eu nunca li o livro, mas acho que ele, sendo uma obra estratégica de guerrilha, creio que não teria graça alguma. Certamente o roteiro é extremamente diferente do livro fazendo a leitura cômica mudando o tom e até mesmo o título para: DR. FANTÁSTICO Ou “Como Aprendi a parar de me preocupar e Amar a Bomba!” – subtítulo extremamente sarrista.
Enquanto Kubrick rodava LOLITA, o diretor já concebeu o seu próximo filme. Então, Dr. Fantástico também seria o projeto que confirmaria o fato de Kubrick ter se radicado na Inglaterra para sempre. Stanley conheceu o livro de George quando fez uma visita ao Instituto para Estudos Estratégicos de Londres. Lá o diretor do instituto, Allistair Buchan, mencionou o manuscrito para Kubrick.
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Cena antológica! |
Para reforçar a idéia apreensiva com a possibilidade de uma guerra nuclear começar por acidente ou loucura, Kubrick chamou o lendário cenógrafo KEN ADAM para trabalhar na elaboração dos sets. É mesmo um trabalho de tirar o fôlego, a cúpula de reuniões, a sala do general, os mapas estrategistas, tudo é sem dúvida um trabalho de mestre. Tudo isso remete as primeiras fitas de James Bond na qual Adam foi diretor de arte e Kubrick só o contratou (futuramente faria com ele BARRY LYNDON) depois de ter assistido e adorado 007 Contra o Satânico Dr. NO.
Esta obra me deixa estupefato. Nunca consegui amar um filme sequer do Alain Resnais (não é piada minha), mas Kubrick transforma um romance sério de suspense com tudo para ser chato em uma comédia-pesadelo fantástica com um ator tão maravilhoso como foi Peter Sellers, que é capaz de nos fazer rir com um peido.
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Pickens e o seu rosto familiar |
A famosa cena em que o piloto, o major “King” – feito pelo veterano astro de Western SLIM PICKENS tenta soltar a bomba nuclear montado em cima como um caubói em seu cavalo, e quando consegue o feito fica em cima dela gritando histericamente, tornou-se antológica. Assim como a sequência final ao som de “Vamos nos encontrar novamente”. Um filme que transcende a linha do tempo. E Um alerta engraçado.
Ironicamente, o filme foi apenas indicado a quatro Oscar: Filme, Direção, Ator (Sellers) e Roteiro Adaptado. Uma piada de mau gosto!
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O grande set de Ken Adam |
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INGLATERRA – 1964
COMÉDIA/GUERRA
FULLSCREEN
94 min.
P&B
COLUMBIA/SONY
14 ANOS
✩✩✩✩✩ EXCELENTE
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COLUMBIA PICTURES APRESENTA
UMA PRODUÇÃO DE
STANLEY KUBRICK
PETER SELLERS. GEORGE C. SCOTT EM
“DR. STRANGELOVE
OR: HOW I LEARNED TO STOP WORRYING AND LOVE THE BOMB”
TAMBÉM ESTRELANDO: STERLING HAYDEN. Co-estrelando: KEENAN WYNN
SLIM PICKENS. PETER BULL. JAMES EARL JONES
E TRACY REED COMO “MISS FOREIGN AFFAIRS” - A secretária
ROTEIRO DE:
STANLEY KUBRICK. PETER GEORGE e TERRY SOUTHERN
BASEADO NO LIVRO “RED ALERT” DE PETER GEORGE
Música Original LAURIE JOHNSON Fotografia de GILBERT TAYLOR
Montagem ANTHONY HARVEY Diretor de Arte KEN ADAM
Cenografia adicional PETER MURTON
Efeitos Especiais WALLY VEEVERS Produção Associada VICTOR LYNDON
Produzido e Dirigido por
STANLEY KUBRICK
© 1964 HAMK FILMS LTD. COLUMBIA PICTURES
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